Gabriela

Tricotilomania: lições e aprendizagens de uma mãe

A Filipa é minha amiga de Portugal. Nos conhecemos através dos nossos maridos, grandes amigos. 

Eu costumo dizer que o primeiro filho deles, o Lourenço, me motivou a ser mãe. Com ele senti profundamente o relógio biológico.

Quando nos mudamos para o Brasil, deixei com eles todas as minhas plantas e flores... porque tinha a certeza que cuidariam com amor. 

No ano passado partilhamos preocupações como mães e as suas angústias com a Gabriela me emocionaram.

A convidei a escrever sobre o tema, porque tenho a certeza que poderá ajudar outras mães que passam pelo mesmo, ou algo semelhante, com seus filhos: tricotilomania.

Quanta emoção e amor, existe em cada linha escrita em baixo. 

Minha amiga querida, quanta honra ter a vossa história juntamente com tantas outras. 

Parabéns pela coragem em partilhar!


"Olá! O meu nome é Filipa, e sou amiga da Fernanda desde ... bem nem filhos tínhamos! E primeiro que tudo, é um orgulho ver a mãe guerreira que é! 

Quando a Fernanda me perguntou se aceitava escrever para o blogue dela fiquei entusiasmada por poder partilhar a minha história, a história da minha Gabriela. Mas rapidamente percebi que não ia ser fácil, escrever faz reviver várias emoções e nem sempre é fácil lidar com emoções. 

Passei as últimas três semanas a desenhar o texto na minha cabeça, reescrevi-o na minha imaginação várias vezes, e agora que o passo à realidade sei que vai ser muito diferente do que imaginei. Quando engravidei da nossa Gabriela, uma gravidez muito desejada e planeada, foi uma alegria instantânea, mas o que não estava à espera era que se tornasse também numa fonte de ansiedade constante. Depois de uma primeira gravidez de risco e algumas complicações, fiquei com medo que tudo voltasse a acontecer. Com 34 semanas de gestação a Gabriela nasceu com 1620gr, pequenina mas cheia de força e sempre muito saudável! Foi uma bebé carequinha linda durante muito tempo, e tinha o hábito de adormecer com o dedinho atrás da orelha a mexer no pouco cabelinho que tinha. Parecia um gesto tão mimoso e inocente, que era impossível antevermos fosse o que fosse.

Com 3 anos o cabelinho cresceu um pouco, e começou a formar nós atrás da orelha, que nós desmanchávamos ou cortávamos quando não havia mais solução. Um dia, reparei numa mecha de cabelo no chão ... achei estranho. Comecei a reparar que por vezes havia cabelos na almofada de manhã. Não eram cabelos soltos. Eram conjuntos de vários cabelos, com raiz, com um nó na ponta. Fiquei alerta. Um dia ralhei com ela, tinha feito qualquer coisa que não devia e ralhei, nada de especial. Alguma coisa me fez voltar atrás ao quarto dela e ao cantinho onde ela se tinha isolado para chorar (muito chateada comigo porque traquina como é, nunca gostou de ser chamada à atenção). E lá estava no chão. Vários conjuntos de cabelo. Peguei nela e discretamente olhei para a cabeça e vi atrás das orelhas, a falta de cabelo. Eu sabia que ela tinha arrancado o cabelo a ela própria, não era um problema dermatológico. A minha bebé de 3 anos arrancava o cabelo a ela própria. Em duas ou três situações vimos acontecer por estar chateada, frustrada ou até zangada. Mas na maioria das vezes, em 99% das vezes, era nos momentos mais calmos, de tédio até. Ao adormecer, quando punha a chucha na boca, quando acordava a meio da noite ou até quando o sono apenas ficava ligeiramente mais leve, era o suficiente para ela enrolar o dedinho no cabelo e puxar. A ver televisão, enquanto esperava por algo, quando estava parada. Não eram movimentos bruscos ou brutos, na escola cheguei a explicar "Não é um movimento que chame a atenção, não é violento, se estão à espera que seja uma ação que chame a atenção, não vão ver acontecer. É nos momentos mais calmos, quando estiver tranquila no tapete a ver um desenho animado, é preciso estar atenta e ver o movimento subtil atrás da orelha, ou na nuca. Quando damos por ela, já arrancou".

Naturalmente fui logo pesquisar à internet e surgiu logo a palavra "tricotilomania". Que palavra gigante. Mas claro não somos médicos, sabíamos que tinha de ser analizada por um especialista, por isso marquei consulta de pedopsiquiatria na clínica mais conhecida de desenvolvimento infantil da zona." Mãe não se preocupe, é apenas um tique. Ela é uma criança alegre, não é depressiva, é saudável. Vai demorar a passar, talvez dois anos. Corte-lhe o cabelo curto, dê-lhe bonecas e peluches para brincar com o pêlo, e brinquedos sensoriais. Não precisa de vir a mais consultas". Cortámos-lhe o cabelo curto, arranjámos bonecos, comprámos materiais sensoriais para entreter as mãos. Durante meses não arrancou cabelo, como podia?? Estava curto. Mas depois começámos a perceber que este caminho não era o certo, porque começou a afetar-lhe a auto estima. Mesmo a dizer-lhe todos os dias o quanto linda e maravilhosa ela era, e ela ficava mesmo linda com o cabelo curto, de certa forma víamos que não acreditava em nós. Pediu para ter o cabelo grande e decidimos parar de lhe cortar o cabelo. O cabelo começou a crescer e ela dizia orgulhosa "vês eu posso ter o cabelo grande! Eu já não arranco cabelo!". Ela tinha consciência dos nossos receios, mas nós nem falávamos sobre eles. Quando estava perto de fazer um ano de a levarmos à consulta de pedopsiquiatria, a nossa Gabriela começou a arrancar muito cabelo de repente. Do nada encontro imensos cabelos na almofada de manhã. Numa noite tinha ficado sem cabelos à volta das orelhas e estava a começar a puxar noutras zonas da cabeça. Vinha da escola com menos cabelos. Eram facadas no meu coração porque não sabia o que fazer, como a proteger, como a ajudar.

Voltei a pesquisar, e deparei-me novamente com o nome "tricotilomania". Ao ler os sintomas e ao partilhar com a família, percebemos que já existia um caso dentro da família. As peças encaixavam-se, mas o problema mantinha-se, como é que a ajudamos? Pesquisei estudos e tudo indicava que o melhor caminho seria a terapia cognitivo comportamental, mas onde? Com quem? Já tínhamos percebido que nem todos os profissionais infantis estavam familiarizados com este transtorno e queríamos encontrar a pessoa indicada!

Enquanto procurava incessantemente por um bom profissional com experiência, uma amiga sugeriu-me experimentar difundir óleos essenciais naturais calmantes à noite no quarto dela. Eu já fazia Reiki e pensei, porque não? Tudo se complementa! Comprei o nosso primeiro óleo essencial, e aquele que até hoje continua a ser o que mais acalma a nossa Gabriela, roman chamomile. Trouxe duas vantagens, a criação de um ritual na hora da cama, em que ela tinha um roll on com roman chamomile diluído e espalhava nos pulsos e atrás das orelhas, e o cheirinho calmante da camomila no difusor que lhe transformou por completo os sonos. Notámos diferença logo na primeira noite, porque dormiu a noite seguida, sem acordares, sem terrores noturnos, sem chamar por mim, sem se mudar para a nossa cama. Não anulou a tricotilomania, mas anulou um dos momentos de maior ansiedade para ela, que era o adormecer. Enrolava os dedinhos no cabelo e puxava sim, mas adormecia rápido e ferrava. E o que era e hoje em dia continua a ser maravilhoso, é que a qualidade do sono dela melhorou tanto que deixou de acordar cansada, rabujenta. Passou a acordar de sonos repousantes e bem disposta o que foi total novidade para nós! Mas faltava arranjar quem nos ajudasse no resto do caminho, porque durante o dia o cabelo continuava a ser arrancado. Chegámos a ter uma resposta de um hospital privado grande a dizer que não tinham ninguém indicado. Do hospital público ... continuamos à espera que a chamem. 

E foi então que num fórum de mães me aconselharam uma psicóloga na clínica PIN, e o nosso caminho certo começou!

Já passaram 8 meses, e a Gabriela vai todas as semanas à psicóloga, com quem criou uma ótima ligação, onde fazem jogos e simulações de dormidas no chão do consultório, ou até sessões de cinema. A brincar ela aprende. Mas nós, os pais, também aprendemos imenso! Nós não sabíamos como agir, se devíamos ser abertos ou evitar o tema com ela. Se devíamos tirar-lhe a mão do cabelo ou ignorar o que fazia. O que é que é certo e errado? A primeira estratégia delineada com a psicóloga foi a de lhe desviar a atenção sem falar no cabelo. "Gabriela podes passar-me esse livro?" "Gabriela quando tens o meu telemóvel na mão tens de o segurar muito bem com as duas mãos" "Gabriela faz-me uma massagem". Tentávamos ser o mais criativos ao evitar dizer "larga o cabelo". Mas a Gabriela é tão inteligente que nos apanhou logo logo na curva. "Mãe estou farta, estás sempre a pedir qualquer coisa, eu gosto de arrancar cabelo!". Desarmou-me. Como é que lhe tiramos uma coisa que lhe dá prazer e está ali, sempre ao alcance dela? Falámos com a psicóloga e tivemos de em conjunto reajustar. 

A Gabriela estava a ficar com a auto estima danificada, via-se como uma má menina por arrancar o cabelo. Passámos a ser abertos com ela "está tudo bem, estamos aqui para te ajudar, porque te amamos." "Se precisares estamos aqui, não tens de te esconder, sabemos que arrancas cabelo mas vai ficar tudo bem". "Quando tiveres vontade de arrancar o cabelo chama-me e damos um abracinho forte".De certa forma, e muito devagarinho, esta abordagem pareceu tirar-lhe o peso dos ombros. E por outro lado com a psicóloga começou a trabalhar as emoções. É a minha segunda filha e nunca tinha percebido o quanto é importante eles aprenderem a reconhecer o que sentem, dar-lhes nomes, e saberem sair dessas emoções quando necessário. Percebemos que o arrancar dos cabelos vinha maioritariamente de situações de uma emoção, e de não saber o que fazer com ela, como prosseguir. Uma noite estava deitada com ela na cama dela para a adormecer, logo depois de ter deixado de usar a chucha, e ela perguntou-me "Mãe, e se eu não conseguir adormecer nunca?". 

Era este tipo de perguntas que ficavam na cabecinha dela, e não sabia como sair dali. Começou a fase em que tivemos de começar a ensinar-lhe emoções (e a psicóloga ensinou-nos como fazer!). "Gabriela pareces-me triste porque estás a chorar, é isso que sentes?" "Gabriela pareces feliz olha esses olhos brilhantes, é isso que estás a sentir?". E nos momentos de conflito, tínhamos de lhe apresentar 3 alternativas para ela ir guardando essas ferramentas. "Gabriela sei que estás chateada porque não sabes do teu boneco. Mas podes procurá-lo, podes pedir ajuda para o procurar ou escolher outro boneco". Parece tão simples, mas sozinhos nunca teríamos chegado lá. Não teríamos percebido as necessidades dela nem como a ajudar! A Gabriela tem tricotilomania e terá toda a vida. Mas está tão melhor!! Já tem 5 anos e meio, tem o cabelo quase a meio das costas e sem falhas. Tem vários cabelinhos novos e muitos com 10 cm das falhas que teve. E está vaidosa, tão vaidosa e eu amo! 

Ganhámos um novo ritual que também ajudou muito, antes de dormir vamos buscar o spray amaciador leave in, metemos no cabelo e penteamos. O cabelo fica liso e suave, mais difícil de fazer nós. E a sensação da passagem da escova no couro cabeludo é boa. 

Há sempre altos e baixos, e quando a vemos voltar a mexer no cabelo e a enrolar o dedo no cabelo ficamos receosos. Sabemos que ainda temos um longo caminho pela frente e a pré-adolescência que está para vir pode ser uma altura complicada. 

Mas estaremos cá sempre para a apoiar, os óleos essenciais continuam a ser uma ótima ferramenta para a acalmar, e a psicóloga continua a ser o ponto de paragem semanal onde aprendemos em família."

Filipa mãe do Lourenço e da Gabriela