Pedro

Testemunho da mãe do Pedro, a Bianca

O Pedro esteve internado juntamente com a Carolina em Outubro de 2017. O sorriso, a coragem e a garra da mãe Bianca, me levou a convidá-la a escrever sobre esses momentos tão difíceis. O objetivo é poder ajudar de alguma forma outra mãe, pai ou responsável, que esteja passando por algo semelhante. 

De uma forma clara, emocionada e com muito amor, Bianca enviou as seguintes linhas:


Pedro nasceu rosadinho, como disse a obstetra. Apgar 10/10. Parto normal, sem anestesia. A bolsa estourou 5 horas antes dele nascer. Mamou assim que acordou, pois nasceu e quis continuar dormindo. Ganhou peso rápido. Era um bebê grandão e gordinho. Muito saudável. Via a pediatra nas consultas de rotina, mês a mês. Tudo perfeito. Melhor do que eu tinha imaginado.

Quando Pedro tinha 1 ano e 1 mês, procuramos uma creche para ele. Escolhemos a mesma creche-escola que minha irmã mais nova frequentou, portanto, uma instituição cuja qualidade no atendimento era conhecida há tempos. Um local que nos passou confiança, com profissionais qualificados, bastante zelo especialmente com a alimentação, muito carinho no trato com os pequenos. Entretanto, Pedro começou a apresentar viroses, uma atrás da outra. Não passava nem 7 dias livre de tosse, coriza e, muitas vezes, febre. Foram 4 meses. Na última segunda-feira na creche, Pedro estava mais quente que o normal no final do dia, mas sem febre. No dia seguinte, ele teve febre. Fizemos antitérmico e ele ficou bem. Na quarta-feira Pedro teve febre; não foi para a creche. Fizemos o antitérmico e ele ficou bem, comendo bem, brincando, normal. Na quinta-feira Pedro estava muito choroso, aquele choro gemente, porém sem febre. Só queria colo o tempo inteiro, não queria comer, só mamar. Tentamos falar com a pediatra o dia inteiro, falamos com a secretária e pedimos para ir aonde ela estivesse, mas sem sucesso. À noite, estávamos nos encaminhando para a emergência, mas Pedro parecia estar melhor, brincava animado, então decidimos aguardar a madrugada. Mas Pedro não conseguiu dormir. Chorava muito e só cochilava no colo, com o lado direito bem coladinho em mim. Um pouco antes do amanhecer coloquei Pedro deitado de costas na cama. Ele despertou do cochilo aos berros e foi quando vi como a barriguinha dele estava distendida e a fraldinha seca.

Era dia 20 de outubro de 2017. Pedro estava completando 18 meses. Disparamos para a emergência. Indicaram uma série de exames, tentaram contato com a pediatra, sem sucesso de novo. Começaram a investigação. Fizeram inúmeros exames, dentre eles raio-x, e pouco depois disseram: "Ele tem pneumonia necrosante com choque séptico. É grave. Já chamamos a ambulância. Ele precisa ser internado na UTI com urgência." Nosso mundo caiu. As lágrimas desciam sem controle enquanto tentávamos acalmar o Pedro cantando as músicas que ele gostava. Eu perguntava o que estava acontecendo a quem estivesse perto de nós, mas a atenção estava toda voltada para um monte de aparelhos que ligavam no Pedro... Faziam nebulização, coleta de sangue de um braço, de outro braço, acesso venoso, respirador, e Pedro chorando há mais de uma hora sem parar. Faziam perguntas que não sabíamos responder, como: "Ele já teve broncoespasmo?" Não fazíamos ideia do que era isso. Nós dizíamos ao Pedro para ficar tranquilo, que estava tudo bem. Pedro relaxou. A ambulância chegou. Pedro e eu fomos na ambulância para a outra unidade do hospital com UTI pediátrica, enquanto o pai seguiu ao nosso encontro. Pedro foi com respirador e um botijão de oxigênio do lado. Chegamos na outra unidade de internação e Pedro estava com a saturação de oxigênio muito baixa. Colocaram uma máscara para que ele respirasse melhor, a VNI, e ele chorou mais ainda, desesperado; queria tirar a máscara. De repente, começou a fechar os olhinhos e dormiu. Mais tarde ficamos sabendo que ele desmaiou devido à baixa saturação de oxigênio. Assinamos autorização para transfusão de sangue, caso fosse necessário. Fomos alertados sobre a possibilidade de entubação, mas seria em último caso. Ressaltaram que talvez precisassem fazer um acesso na jugular do Pedro para administração de medicamentos, caso fosse preciso entubá-lo, mas eram informações para precaução. Não queria dizer que teriam todas essas condutas.... Subitamente, a saturação de oxigênio do Pedro foi caindo, caindo, caindo... Levaram o Pedro para a UTI pediátrica e não pudemos ficar com ele. Ficamos parados na porta da UTI aguardando para entrar, o que nos pareceram horas. Uma médica que estava entrando na UTI, mas que na verdade era um dos anjos que nos deram conforto e atenção, vendo nossa aflição, ouvindo nossas súplicas, tentou nos acalmar e disse que tentaria nos trazer notícias. Um pouco depois permitiram nossa entrada. Pedro estava dormindo. Lábios roxinhos, saturação de oxigênio muito baixa. O médico que nos recebeu estava com pressa e deu a notícia: era necessário entubar nosso Pedro. E rápido. Demos um beijinho no nosso bebê que dormia e saímos rapidamente. Aguardamos, aguardamos, aguardamos. Duas médicas vieram nos procurar para dar notícias: Pedro teria que receber uma bolsa de sangue. Pedi a elas que por favor cuidassem do nosso filho como se filho delas fosse, pois Pedro é especial demais; não poderia cogitar viver sem ele! E continuamos aguardando lá fora. Depois de mais algumas horas, outra notícia: Pedro teve derrame pleural e precisava de um dreno no pulmãozinho direito. O cirurgião viria para fazer os procedimentos cirúrgicos no próprio box onde ele estava. Aguardamos e aguardamos. Sem poder vê-lo. Já era noite. Outros médicos vieram trazer notícias. Perguntamos se Pedro já estava melhor. A resposta foi dura: não sabiam se ele conseguiria passar daquela noite. Eram três dias de monitoramento até saberem se ele estaria estável. Ficamos sem chão. Parecia um pesadelo e a gente não conseguia acordar. Permitiram que entrássemos para vê-lo. Fomos ansiosos, correndo. Foi muito triste. Pedro estava deitadinho, dormindo, só de fraldinha, naquele frio de gelar a alma, bastante inchado de tanto soro, entubado, com um respirador mecânico que respirava por ele, em sua boquinha... Ele estava totalmente dependente do aparelho. Tinha sonda nas duas narinas, fios no pescoço, nos bracinhos, nos pezinhos, um tubo no bracinho direito inserido em uma artéria para medir a pressão arterial interna. Não podiam mexer muito no corpinho dele. Havia o risco de se disseminarem ainda mais as bactérias que causaram a infecção. Não parecia nosso menininho... Foi muito difícil vê-lo daquele jeito. Eu chorei, chorei, chorei. Chorei por muito tempo. O pai foi embora porque já era tarde, passava da hora de visitas, e não podíamos ficar os dois com nosso Pedro. E eu passei boa parte da noite acariciando a cabecinha do Pedro, conversando com ele, dizendo que tudo ia ficar bem, que ele é forte, é meu tourinho, que a gente ia para casa logo, que tudo ia voltar a ser como antes. Pedi a ele que não desistisse, que por favor não desistisse, porque eu preciso muito dele; porque a gente precisa muito dele; porque a mamãe te ama muito, meu filho; porque o papai te ama muito; porque está todo mundo com saudade de você, meu filho; porque todo mundo quer te ver fora do hospital...! E eu me culpei. Me culpei tanto, tanto, tanto. E se ele não tivesse ido para a creche? Não teria ficado doente. Ele era saudável antes! Foi na creche que ele começou a ficar doente. E se eu o tivesse levado antes na emergência? À noite? Quando pensamos em ir, mas decidimos aguardar a madrugada? Poderia não ter se tornado tão grave a pneumonia. Ele não estaria na UTI! E se eu tivesse mudado de pediatra? Eu procurei outros, mas não sentia segurança... Mas essa pediatra também não passava segurança. Por que eu não mudei logo de pediatra no primeiro sinal de que ela nos deixaria na mão? Eu deixei que isso acontecesse com ele. Fui eu que permiti que meu filho ficasse na situação que ele estava! Fui eu que negligenciei meu Pedro! Fui eu que não pensei nele primeiro e não busquei com mais ímpeto um pediatra melhor! Fui eu que tive que voltar ao trabalho e não pude ficar com o meu filho. Fui eu que coloquei meu filho naquela situação! Fui eu! A dor me consumia. O medo me consumia. Eu não posso perder meu filho, meu Deus! Eu não aguento isso! Por favor, tenha misericórdia de mim! Por favor, meu Deus, não permita que ele parta! Misericórdia, meu Deus, deixe Pedro comigo! A culpa me consumia. Foi a noite mais longa da minha vida. Qualquer apito no monitor já me fazia dar um pulo da cadeira e checar se Pedro estava respirando. A noite passou. Novos exames mostraram que Pedro estava respondendo bem apesar de ainda não estar estável. Esperança. Meu coração se encheu de esperança. O dia transcorreu bem. A noite parecia bem também. Mas aí veio o terceiro dia. O que parecia bem voltou a ser um pesadelo: os testes mostravam que a bactéria tinha voltado a se multiplicar, os exames não estavam tão bons como se esperava para o terceiro dia, Pedro ainda estava instável e com uma febre muito alta que não baixava por nada. Dois antitérmicos já tinham sido usados, mas a febre não baixava. Faziam compressas de água gelada com cubos de gelo e álcool na testinha do Pedro, na virilha, nas axilas, na barriguinha, sob o frio da UTI. Mesmo inconsciente, seu corpinho sentia e ele se remexia bem devagarinho no leito. No dia seguinte, segunda-feira, seus lábios estavam machucados pela febre, minavam uma água de sangue, a pele dos lábios soltando, os dedos das mãos e dos pés descamando. A infecção avançava. Briguei com Deus. Sentia muita raiva de Deus. Como Ele podia ter permitido que meu filho, um anjo inocente, passasse por tudo aquilo? Por que não fez comigo o que estava fazendo com meu filho? Minha revolta era sem tamanho. Tanta gente ruim para sofrer e Deus escolhia um bebê para sofrer. Uma mistura de revolta e medo. Senti raiva da pediatra e do pessoal da creche. Senti muita raiva de mim. Muita raiva de mim. A tomografia mostrou que Pedro tinha pontos de necrose espalhados pelos pulmões. A pneumonia acometeu o pulmão direito e a base do esquerdo. Era bem provável que ele teria que ser submetido a uma cirurgia para retirar as áreas necrosadas. Meu coração parou. Seria possível mais isso? Na terça-feira foi necessário fazer a transfusão da segunda bolsa de sangue. Enviei mensagem pedindo doação de sangue para todos os meus contatos do celular. O pai falou com os amigos mais próximos e com a família. Foram quase 50 pessoas doando sangue e uma corrente de orações de todos os credos. Pessoas que não nos conheciam diretamente, mas que eram amigas, familiares, colegas de trabalho, conhecidas de conhecidos nossos, todos orando pela recuperação e cura do Pedro. Até aqueles que sabemos não terem um credo nos ajudaram com energias positivas, do bem, e apoio, indo nos visitar, oferecendo seu tempo, um ombro amigo, carinho. Gratidão a cada uma dessas pessoas. Nesse mesmo dia, o padre da paróquia que frequentamos foi nos visitar e pedimos que orasse pelo Pedro onde ele estava, no box 06. Durante a oração, senti Deus falando comigo. Eu tenho certeza absoluta do que senti: uma onda morna, muito agradável, prazerosa, de calor nascia de dentro do meu peito e se espalhava. Ouvi uma voz que vinha de dentro de mim. Não era de homem nem de mulher, tampouco era a minha voz. Era uma outra voz que dizia para mim: "Ele vai voltar para casa." Não disse que se tratava do Pedro nem disse mais nada, mas a voz falava do meu Pedro. Sem dúvida, era o meu Pedro que ia voltar para casa! Deus falou comigo. O pai já tinha sentido a mesma certeza antes, talvez por isso ele parecia mais confiante e sereno do que eu. Na quarta-feira foi meu aniversário. Eu pedia a Deus que tivesse misericórdia de mim e permitisse segurar meu filho vivo em meus braços de novo. Queria continuar amamentando, viver uma vida inteira com nosso filho, como tinha que ser, como estava sendo antes dele ficar doente. O dia passou. A febre cedeu. Pedro estava estável. Graças a Deus. E os dias foram passando. O acesso na artéria do bracinho direito para medição da pressão arterial interna, e que também servia para a coleta de sangue arterial para os testes de gasometria, não estava mais permitindo a coleta do sangue. Dessa forma, a coleta do sangue passou a ser feita diretamente das artérias, pelo menos duas vezes por dia. Os médicos nos alertaram que essa coleta é bastante dolorosa. Mesmo inconsciente, anestesiado, Pedro sentia dor e puxava os bracinhos, já contidos por conta da entubação, tentando se esquivar. Sofríamos junto... Além disso, os médicos nos informaram que, em casos como o do Pedro, era comum a criança não saber mais mamar, ter que aprender de novo, assim como ter que aprender a comer e beber de novo. Poderia ter uma involução na fala, na coordenação motora, poderia ter dificuldade para andar. Com o tempo, ele voltaria a fazer o que já sabia fazer antes de ficar doente, mas costumava levar alguns meses e, os médicos precisavam nos preparar para quando Pedro fosse extubado. No sábado, dia 28 de outubro, Pedro foi extubado. Meu filho voltou a respirar sozinho! Foi muito emocionante... Ele acordou, quis colo e pedia "mamá"! Não acreditei... Ele falava como antes, queria brincar com os brinquedos dele que a gente levou, queria ficar em pé e andar - ainda que as perninhas estivessem um pouco fracas e tremessem um pouquinho. As mãozinhas também tremiam um pouco, mas isso não o abatia. Pedro fazia tudo normalmente. Dois dias depois, tentamos a reintrodução alimentar. Começamos pela bebida. Pedro pediu o canudo e, para a surpresa da fonoaudióloga (porque beber de canudo é mais difícil), ele bebeu perfeitamente bem de canudinho! E pediu mamá. Enfim, pude tentar amamentá-lo. Pedro mamou como se nada tivesse acontecido! Até as médicas que acompanhavam saíram comemorando que o Pedro estava mamando de novo! Foi lindo! Pedro parecia estar ficando cada vez melhor. Mas, não estava se alimentando como deveria. Priorizava o mamá. Foi necessário passar a sonda novamente para alimentá-lo. Foi sofrido. A barriguinha do Pedro estava ainda inchadinha, distendida, o que dificultava o posicionamento da sonda. Foram inúmeras tentativas. Pedro chorava muito e o desconforto dele durante o procedimento era visível... Por fim, conseguiram. E Pedro foi progredindo. Os resultados dos exames melhoravam ao longo dos dias. Entretanto, mais uma intercorrência aconteceu. O acesso da jugular não mais permitia a aplicação dos medicamentos venosos. Tiveram que fechar esse acesso e fazer um outro por um vaso superficial do bracinho esquerdo até um grande vaso. É considerado um procedimento cirúrgico, em que o Pedro recebeu anestesia geral. Tivemos que deixa-lo mais uma vez. Foi bem-sucedido e Pedro passava bem depois. Agora estávamos confiantes. Pedro estava prestes a sair da UTI. Na manhã da alta da UTI, Pedro apresentou broncoespasmo, precisou de várias novas medicações e do monitoramento de perto da equipe médica. Por conseguinte, ficamos mais um dia na UTI. Além disso, Pedro apresentou uma ferida na base da cabeça devido ao posicionamento na cama. A ferida necrosou. Mas, Pedro cicatrizou bem e ficou com uma região discreta na base da cabeça em que não nasce mais cabelo. Dos males, o menor. Perto de tanta coisa que ele passou, essa não teve tanta importância. Foram 15 dias na UTI pediátrica, sendo 8 dias com o Pedro entubado, 12 dias usando o dreno e 7 dias no quarto.

Sinto uma profunda gratidão a Deus por permitir ter nosso Pedro com a gente de novo. Entendi que Deus não provocou a doença no meu Pedro. Eu cheguei a pensar que sim, e questionei Deus sobre a crueldade em permitir tamanho sofrimento para um anjo inocente, para nossa família e para todas as outras pessoas que sofrem. Jesus, em sua infinita misericórdia, mostrou a mim que Ele me ajudava a carregar minha própria cruz: o outro lado da minha cruz não estava vazio, pois era Ele quem estava comigo. Eu nunca estive sozinha. Tenho plena convicção de que o Divino Espírito Santo inspirou e capacitou cada membro da equipe médica, dentre clínicos, cirurgiões, técnicos em enfermagem, enfermeiros, de modo a se doarem pela recuperação do nosso Pedro, assim como das outras crianças internadas junto com a gente. Maria, Nossa Santa Mãezinha, sempre com muito amor, nos dava esperança para cuidar do nosso Pedro e motivá-lo a resistir ao sofrimento que é ficar internado, ainda mais para um pequeno de 1 ano e meio. Aprendi que meu filho foi muito mais forte do que eu na maioria das vezes. Pedro me ajudou a ficar mais forte para enfrentar adversidades. Pedro me mostrou que é forte como um touro e que quer lutar, quer viver! Pedro me ajudou a ser mais segura da competência que ele tem em lidar com uma situação difícil como essa. Entendi que não tenho controle de absolutamente nada, não importa a dedicação em protegê-lo do mundo, das pessoas, dos microrganismos... Aprendi que meu marido é um grande companheiro, meu melhor amigo, e um pai muito amoroso e dedicado.

Vi a força que a família e os amigos têm em nos oferecer suporte e carinho quando precisamos. Entendi que minha mãe, minha vó e minha irmã são grandes parceiras de caminhada, e o são para uma vida inteira. Vi a solidariedade, a compaixão, a doação, o amor pelo próximo em nossa vida. São valores reais. E independem de religião, raça, sexo, situação financeira ou qualquer coisa do tipo. Agradeço profundamente cada oração, cada doação de tempo e sangue, cada pensamento positivo elevado ao Pedro, cada visita, cada gesto de carinho.

Pedro carrega no coração um pedacinho de cada um de vocês.

Com Amor,

Bianca Gonçalves